Transformações nas políticas de emprego no Brasil
Tese de doutorado mostra que apenas na segunda metade dos anos 1980, o Brasil reconheceu o desemprego como um problema social que demandava intervenção estatal.
Jornal da Unicamp
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esde o surgimento das primeiras políticas de proteção ao emprego até as tentativas de seu desmonte e esvaziamento, muita coisa aconteceu na esfera política e econômica brasileira nas últimas décadas. Organizar e analisar essa história, um constante processo de mudança, foi o desafio que Luiz Henrique Fernandes Vieira assumiu em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp sob a orientação do professor Marcelo Proni, membro do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) do IE. Em seu trabalho, Vieira buscou compreender as primeiras iniciativas do Estado na construção de políticas públicas de proteção contra o desemprego no Brasil, bem como as tentativas mais recentes de enfraquecimento ou desconstrução dessas políticas, sobretudo no período de 2015 a 2022.
Para Vieira, a implementação dessas políticas no território brasileiro aconteceu de forma tardia e se inspirou nas políticas públicas de emprego adotadas em países nórdicos e da Europa continental. Segundo sua pesquisa, apenas na segunda metade dos anos 1980, o Brasil reconheceu o desemprego como um problema social que demandava intervenção estatal. Assim, no bojo do Plano Cruzado, criou-se o seguro-desemprego, benefício de garantia de renda temporária ao trabalhador demitido sem justa causa. No início dos anos 1990, o governo regulamentou-o ao criar o Programa Seguro-Desemprego, que visava integrar esse benefício com as funções do Sistema Nacional de Emprego (Sine), estabelecido em 1975, e as do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor), focado na qualificação profissional em larga escala. No entanto Vieira explica que a atenção dada à política de proteção ao desempregado começa a diminuir quando o país passa a viver uma situação econômica mais favorável, com baixas taxas de desemprego. Após 2015, com o início de uma recessão econômica, o crescimento do desemprego e decisões inconsistentes na condução da crise, emergiu uma nova narrativa sobre o papel do Estado na proteção do trabalhador, sobretudo a partir de 2017, no governo de Michel Temer, relata o autor da tese.
Em seu estudo, Vieira introduziu o conceito de "modernização desprotetora" para descrever o período de 2015 a 2022, destacando a agenda neoliberal promovida por setores empresariais, cujos interesses se opunham à garantia dos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal. Na agenda desses autores, as mudanças justificavam-se pela necessidade de "modernizar" a legislação trabalhista e os programas públicos destinados ao mercado de trabalho. A prioridade era flexibilizar as relações de trabalho e reduzir o custo do trabalho para as empresas. "A modernização desprotetora foi a implementação de uma agenda neoliberal voltada para a desregulamentação do mercado de trabalho e o esvaziamento dos programas de proteção contra o desemprego sob a justificativa de que as instituições de regulação do trabalho e de proteção contra o desemprego eram arcaicas e precisavam ser renovadas. Em vez de avançar na ampliação dos direitos trabalhistas, essa 'modernização' encaminhou uma regressão", afirma Vieira.
A agenda contrária aos interesses dos trabalhadores começou a nascer em 2015, mas se consolidou e acelerou em 2017. "Com o argumento do déficit orçamentário, o segundo governo de Dilma [Rousseff] implementou uma regra de restrição de acesso ao seguro-desemprego. A partir de 2017, a agenda neoliberal de reformas na regulação das relações de trabalho, que já havia sido apresentada e parcialmente adotada nos anos 1990, voltou com força. Essa agenda de reformas trabalhistas tinha como propósito instituir no Brasil o modelo prevalecente de relações de trabalho dos Estados Unidos." A pesquisa revela que, para construir essa narrativa, argumentos falaciosos foram frequentemente utilizados pelo setor empresarial, como a alegação de que o custo da mão de obra causava a taxa elevada de desemprego e a de que o sistema de proteção ao trabalho vigente no Brasil era antiquado, sugerindo que o ideal seria remover esses obstáculos e permitir aos empregadores negociarem diretamente com os empregados. Além disso, argumentava-se que o seguro-desemprego gerava déficits e incentivava a rotatividade no emprego, desmotivando os trabalhadores a procurarem uma ocupação enquanto recebiam o benefício.
Proni salienta a consistência e profundidade das informações da tese de Vieira, ressaltando a importância da coorientação do professor Amilton Moretto, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Para o orientador, a pesquisa estimula o debate sobre a necessidade de ampliação dos mecanismos de proteção contra o desemprego no Brasil ao organizar e apresentar diferentes visões presentes nessa discussão. "A principal contribuição da tese é atualizar o debate e desconstruir os argumentos usados para justificar o esvaziamento dessa política. A proteção contra o desemprego, além de ser fundamental para as pessoas individualmente, com consequências na vida das famílias, também impacta a estruturação do mercado de trabalho e a economia. Quando o Estado desempenha essa função de garantir uma renda para o trabalhador demitido sem justa causa, contribui para a recuperação econômica, dinamizando o mercado de trabalho e beneficiando as próprias empresas", complementa.
Para Vieira, o estudo pode ser visto como uma porta de entrada para pensar a possibilidade de integrar as políticas de transferência de renda com as políticas de proteção contra o desemprego. "O que fica como desafio é pensar essa questão e encontrar um caminho a fim de oferecer uma proteção universal para todos os trabalhadores. Se queremos construir um país com desenvolvimento sustentável, o que defendo, precisamos pensar na perspectiva da incorporação social e, nesse sentido, é importante pensar como proteger os trabalhadores, tanto formais como informais."
Leia original AQUI.
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