Uma ditadura de novo tipo: o fascismo social

03/11/2017

Por Homero Costa - prof. Do departamento de Ciências Sociais da UFRN | Em novembro de 2010 o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos publicou o artigo Os fascismos sociais. Para ele o fascismo, longe de ser mera ameaça, "está entre nós e convive tanto melhor com a democracia de baixa intensidade", ou seja, sociedades que são ou podem ser politicamente democráticas, mas socialmente fascistas.

O fascismo social é um tipo de regime, diferente do fascismo político dos anos 1930-40, que aparece em outro contexto histórico, social e político, o da hegemonia do capitalismo neoliberal e submetido à lógica do capital financeiro, que traz entre outras conseqüências, a destruição do ecossistema e da biodiversidade como imperativos do capitalismo global. Mas, para se falar em fascismo social, há um componente fundamental que é a sistemática violação dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos e que atinge principalmente os mais pobres.

Boaventura baseia-se na idéia do contrato social como "a metáfora fundadora da racionalidade social e política da modernidade ocidental" e que para ele está em crise e essa "crise da contratualização moderna" consiste na predominância estrutural dos processos de exclusão sobre os de inclusão, que se dá sob duas formas: o pós-contratualismo e o pré-contratualismo.

No pós-contratualismo os grupos antes incluídos no contrato social "são excluídos sem perspectiva de regresso, como os direitos de cidadania, antes considerados inalienáveis e que são confiscados". No pré-contratualismo, há o bloqueio do acesso à cidadania para grupos sociais que anteriormente tinham a expectativa fundada de a ela aceder e assim: "As exclusões são radicais e inelutáveis, e apesar de formalmente cidadãos, são de fato excluídos da sociedade civil e lançados em Estado de natureza".

Para Boaventura, esse Estado de natureza leva a desestabilização total das expectativas das classes populares e cuja ampliação leva a emergência do fascismo social. É um fascismo de novo tipo, cuja sociabilidade se assenta sobre três bases: a primeira é o apartheid social, que é a segregação social dos excluídos, por meio de uma cartografia urbana dividida em zonas selvagens e civilizadas.

Nas zonas civilizadas "o Estado age democraticamente como protetor, ainda que muitas vezes ineficaz ou não confiável", enquanto que nas zonas selvagens "age fascistamente, como Estado predador, sem nenhuma veleidade de observância, mesmo aparente, do Direito".

A segunda é o fascismo paraestatal no qual "a usurpação de prerrogativas estatais (de coerção e de regulação social) por atores sociais muito poderosos, que escapando a todo controle democrático, neutralizam ou suplementam o controle social produzido pelo Estado.

E finalmente o fascismo da insegurança, ou seja, "a manipulação discricionária da insegurança de pessoas e grupos sociais vulnerabilizados por precariedade do trabalho, doenças ou outros problemas, produzindo-lhes elevada ansiedade quanto ao presente e ao futuro, de modo a baixar o horizonte de expectativas e criar a disponibilidade para suportar grandes encargos, com redução mínima de riscos e da insegurança".

Presente nas sociedades de democracias consolidadas o fascismo social atinge de forma mais dramática os países da periferia do capitalismo, como é o caso do Brasil e especialmente em situações de crise, como diz José Manuel Mendes, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Observatório sobre crises e alternativas) porque fragilizam as instituições do Estado e o direito a ter direitos, ao hegemonizarem discursos marcados pela análise custos-benefícios, pela rentabilidade, pela mercadorização de todas as coisas e relações sociais favorecem e reforçam as lógicas subjacentes aos processos de fascismo social".

O fascismo social é um regime no qual as vítimas são formalmente cidadãos, mas como diz Boaventura, não têm realisticamente qualquer possibilidade de invocar eficazmente direitos de cidadania ao seu favor.

Nesse sentido, há uma urgente e inadiável necessidade de enfrentamento dessa nova forma de fascismo, "dar nova radicalidade à luta pela democracia" porque "os riscos são demasiado sérios para que cruzemos os braços". No livro "A difícil democracia. Reinventar as esquerdas" (São Paulo: Boitempo, 2016) ele argumenta que as esquerdas têm um papel fundamental nesse processo, mas precisam fazer uma profunda autocrítica e superar um modelo político baseado em conciliações com o grande capital e ter no horizonte uma alternativa pós-capitalista, e assim aposta na radicalização da democracia como alternativa para as crises contemporâneas e na luta contra o fascismo social. 

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