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Vírus de Marburg, semelhante ao Ebola, causa doença hemorrágica de alta letalidade
Especialistas explicam que a doença causada pelo vírus é caracterizada por surtos epidêmicos, mas risco de se espalhar globalmente é moderado.
Jornal da USP
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a mesma família do Ebola, o vírus de Marburg (marv) é membro da família Filoviridae e foi descoberto em 1967, tendo o seu primeiro surto nas cidades de Marburg, Frankfurt e Belgrado. Apesar do surto na Europa, Benedito Fonseca, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo, comenta que o vírus é oriundo da África. Trabalhadores de laboratórios que estavam analisando o crescimento de cepas vacinais do vírus da poliomielite em células de rim de macacos verdes africanos (Cercopithecus aethiops) importados da região do Lago Kyoga, em Uganda, foram contaminados. O surto resultou na infecção de 31 pessoas, das quais sete foram a óbito.
Com algumas epidemias na África Subsaariana, o especialista explica que o vírus é caracterizado por graves doenças, com altas taxas de letalidade (situações em que até 90% das pessoas infectadas podem evoluir para o óbito). Apesar disso, não houve uma grande dispersão no continente africano, com esporádicos surtos epidêmicos — na África, teve seu primeiro surto confirmado em 1975 na África do Sul, e o último em 2023, na Guiné Equatorial. Além dos países citados, o vírus já causou infecções no Quênia, República Democrática do Congo, Angola, Uganda e Gana.
Mesmo com poucas pessoas atingidas nos casos de surtos (acometendo pouco menos de 600 pessoas, de acordo com o docente), a gravidade da doença causada pelo vírus de Marburg faz com que se torne uma das atenções da Organização Mundial da Saúde (OMS), já que produz uma febre hemorrágica que, em muitos casos, pode ser fatal. Expedito Luna, professor do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, comenta que, dentre os surtos já ocorridos, um dos piores foi registrado na Angola, entre 2004 e 2005, em que o vírus atingiu mais de 200 pessoas, com 90% de taxa de letalidade.
O docente ainda declara que, mesmo com surtos esporádicos, a descoberta de novos casos em países diferentes (como o último, na Guiné Equatorial) pode indicar uma maior detectação da doença, com maior atenção sobre o vírus, ou mesmo uma consequência de desequilíbrios ecológicos — ocupação humana de áreas florestais e questões de hábitos culturais, como a caça e o consumo da carne caçada —, visto que a transmissão do marv tem relação com a vida silvestre.
Transmissão
Com um morcego (Rousettus aegyptiacus) sendo o reservatório do vírus, Fonseca afirma que a sua transmissão pode ser efetuada através do contato com a sua urina, fezes ou saliva. Ainda pode haver a transmissão direta dos animais (seja pelos morcegos infectados ou outros hospedeiros), mas que ainda não está completamente estabelecida. "Além disso, existe a possibilidade da transmissão através da ingestão de alimentos contaminados com o vírus de Marburg, incursão em cavernas infestadas por morcegos e transmissão inter-humana pelo contato com fluidos corporais de uma pessoa infectada, havendo inclusive um relato de transmissão sexual", acrescenta.
Sobre a transmissão inter-humana, Luna complementa: "Essa transmissão é muito mais intensa em quem está cuidando do paciente, quer seja em um ambiente hospitalar, se não há as devidas proteções de biossegurança, quer seja também em casa e principalmente em habitação precária".
De acordo com Benedito Fonseca, uma vez contaminado, começa o período de incubação, bastante variável — pode durar de dois até 21 dias. Ele explica que a doença se inicia com a penetração do vírus através da pele ou mucosas, infectando primeiramente células mononucleares, em que ocorrerá a replicação viral. Contudo, o que causa maior gravidade à doença é que células do endotélio vascular também são acometidas, alterando a resposta imune ao vírus e resultando em lesão endotelial, com aumento da permeabilidade vascular seguida de coagulação intravascular disseminada, o que amplifica a infecção — em combinação com a infecção dos hepatócitos.
Sintomas
Semelhante ao Ebola, a doença resulta, na maioria dos casos, em choque circulatório e insuficiência de múltiplos órgãos, e geralmente é caracterizada por três fases, com a infecção generalizada, o acometimento orgânico, e o óbito ou a convalescença — período de transição após uma enfermidade, com a recuperação gradativa das forças e da saúde —, como explica o especialista. "A fase inicial é caracterizada por febre alta, calafrios, dores musculares e mal-estar geral, além de náusea, vômitos, diarreia aquosa grave, dores abdominais, perda do apetite e fadiga generalizada. Na fase de acometimento orgânico, os pacientes podem apresentar manifestações neurológicas, tais como desorientação, delírio e irritabilidade ou agressividade, e manifestações hemorrágicas, resultantes da coagulopatia, podendo evoluir para o óbito durante a segunda semana de doença ou iniciar a convalescença", esclarece.
Contudo, Expedito Luna comenta que a sua alta letalidade também pode indicar uma questão de vigilância, em que só os casos mais graves acabaram sendo contados. "Talvez se tivesse uma vigilância mais apurada, conseguisse identificar outros casos mais leves, o que aconteceu, por exemplo, com a grande epidemia de Ebola que houve em 2014, no oeste da África. Naquele momento, se identificaram casos mais leves porque houve uma mobilização muito grande de recursos", acrescenta.
Sobre o futuro
Fonseca conta que existe a possibilidade de uma pessoa infectada em algum local do continente africano viajar a outros países e, por contato interpessoal, transmitir a doença para outros seres humanos. "Entretanto, é possível que esse vírus não se estabeleça em outros locais se não houver infecção dos seus reservatórios naturais, que são os morcegos. Por esse motivo é que a Organização Mundial da Saúde classificou o risco de possíveis epidemias da doença pelo vírus Marburg como muito alta nacionalmente, moderada regionalmente e baixa globalmente", afirma.
Ainda assim, seis vacinas contra a infecção pelo vírus de Marburg estão em desenvolvimento. O professor explica que, na verdade, elas não usam o marv em si, e sim outros vetores virais para expressarem antígenos do vírus — usadas em ensaios clínicos, tiveram uma resposta bem razoável contra a infecção, mas nenhuma delas está liberada, até o momento, para uso em humanos. Quanto ao tratamento medicamentoso, não existe nenhum aprovado para as infecções pelo Marburg, mesmo que existam relatos do uso de antivirais e outros métodos que obtiveram resultado na proteção e controle de infecção.
"Enquanto não há vacinas ou medicamentos disponíveis para o tratamento da doença causada pelo vírus de Marburg o controle de surtos epidêmicos se baseia na introdução de práticas seguras para sepultamento de pacientes com Marburg, na investigação e monitoramento de contactantes que possam ter sido infectados, na detecção precoce dos casos e isolamento dos mesmos e, finalmente, como programa de saúde pública, na disseminação da informação de como ocorre a transmissão desse vírus, para que assim se situem os cuidados necessários para impedir a transmissão da doença", finaliza.
Texto originalmente publicado no Jornal da USP
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